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Do conceito de trabalho, mas mal trabalhado

Gosto muito de conversar com pessoas, uma vez que sempre há a possibilidade de se aprender algo novo, ou no mínimo, posso ser confrotado a refletir a respeito de algum assunto que nunca apreciei.
Bem ocorreu que durante uma conversa informal, me venho uma questão muito importante: por que as pessoas associam tão visceralmente a reforma protestante ao capitalismo? Será que os pais da reforma foram negligentes quanto ao perigo das riquezas?
Após conversar com algumas pessoas e refletir muito sobre o assunto, cheguei a algumas conclusões, mas ainda não definitivas, já que pretendeo estudar com maior profundidade o assunto.
Inicialmente, devemos esclarecer que existe um erro histórico quanto ao surgimento do capitalismo e do movimento da reforma protestante. O capitalismo surge a partir do surgimento dos burgos. É fato, não há discussão quanto a isso.
O movimento da reforma protestante surge como uma negação do que a Igreja Católica estava impondo aos seus membros naquela época, a saber as cerimônias em latim (que impossibilitava à população em geral a possibilidade de compreender e participar de uma forma mais profunda desse momento tão importante da vida dos cristãos) e a famosa venda de indulgências (pela qual quem "ofertasse" mais poderia receber o perdão dos pecados ou até comprar um belo terreno nos céus). Não vou citar os outros erros, porque os já citados são suficientemente exemplificativos dos erros cometidos naquela época.
A grande questão que surge, sendo cristalina e indiscutível é que a reforma protestante surgiu após o início do capitalismo. Você há de se perguntar: e daí? A princípio, nada, mas tem muitas pessoas, inclusive sociólogos, filósofos, enfim, os "intelectuais" afirmam, com fundamento, mas sem conhecimento, que a reforma protestante é a grande propulsora do capitalismo.
Estes se baseiam da seguinte premissa: a reforma protestante acabou com o sentimento de culpa, enraizada no catolicismo, de que o lucro era pecado. Ao permitir a "libertação" da culpa, se abriu a brecha para que o ser humano pudesse colocar toda sua ganância em prática. Há algum sentido, mas errôneo quanto à interpretação:


1) O conceito na qual o trabalho era degradante, provém do pensamento da filosofia grega, gerando uma divisão do trabalho conforme a "importância social", o que resulta em trabalhos "inferiores" (os manuais, como a agricultura, os artesãos, os guerreiros, etc) e os "superiores" (os trabalhos que valorizavam o ócio, a contemplação das coisas, como os eclesiásticos).
Calvino e Lutero, ao contrário, valorizavam o trabalho como uma forma de cumprir a vocação de cada pessoa, como indivíduo, diante de Deus. Nas palavras do próprio: “Se seguirmos fielmente nosso chamamento divino, receberemos o consolo de saber que não há trabalho insignificante ou nojento que não seja verdadeiramente respeitado e importante ante os olhos de Deus.” (João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, São Paulo, Novo Século, 2000, p. 77.);


2) Calvino defendia que a poupança deveria ter um sentido social, dessa forma, o escedente deveria ser usado a fim de aliviar a necessidade dos irmãos, evitando a lúxuria ou intemperança. (Ver: João Calvino, A Verdadeira Vida Cristã, p. 33, 75; João Calvino, As Pastorais, São Paulo, Paracletos, 1998, (1Tm 6.8), p. 169; João Calvino, As Institutas, III.10.4.);

3) Por fim, Calvino defendia a frugalidade, que nada mais é que a temperança, sobriedade, simplicidade no modo de viver. Em outras palavras, “.... é uma tentação muito grave, ou seja, avaliar alguém o amor e o favor divinos segundo a medida da prosperidade terrena que ele alcança.” [João Calvino, O Livro dos Salmos, Vol. 1, (Sl 17.14), p. 346)].    

Diante do exposto, fica clara a má interpretação por parte de muitos estudiosos quanto às propostas apresentadas na reforma protestante, principalmente por Max Weber, que se ateve ao conceito do trabalho como dever ou vocação, deixando de lado o mais importante: a glória a Deus.
Não me esquivo, de forma alguma, de sopesar o fato de que o conceito de trabalho protestante foi secularizado, para minha infelicidade, que busca apenas uma finalidade distinta da original. Hoje se busca a aquisição e posse de bens materiais em detrimento das relaçoes humanas, o próximo se tornou descartável. Nada disso foi proposto nem por Calvino, nem por Lutero. A secularização é resultado da interpretação errônea do ser humano, para poder justificar a troca da glória a Deus pela "glorificação" do ser humano.
Para terminar fica um alerta: muitos cristãos, que deveriam compreender esse triste acontecimento, não se dão o trabalho de estudar a fonte, Calvino, Lutero, Knox, etc, para se aterem a pensadores mais "famosos", "reconhecidos", como Weber, Marx, Niestche, Schopenhauer, etc. Isso é comodismo intelectual, é preguiça intelectual, como se pode criticar sem se conhecer o que foi ensinado?
Não sei se sou chato, ou exigente demais, mas se alguém não está preparado para enfrentar uma garoa, não deveria sair na tempestade.
Para quem quiser ler mais sobre o assunto sugiro o seguinte estudo: http://www.monergismo.com/textos/teologia_reformada/reforma
_trabalho.htm

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